Gentileza: palavras e gestos além do dicionário
“O mundo é uma escola/ A vida é um circo/ Amor palavra que liberta/ Já dizia o profeta”. Estes versos fazem parte da canção “Gentileza” que a cantora Marisa Monte compôs em homenagem aos ensinamentos de José Datrino, conhecido como Profeta Gentileza, autor da conhecidíssima frase “Gentileza gera gentileza”, inscrita em muros, camisetas, para-choque de caminhões, faixas, Brasil afora.
Em 13 de novembro é comemorado o Dia Mundial da Gentileza. A Universidade Federal do Tocantins (UFT) destaca a importância desta data. A ideia do Movimento Mundial pela gentileza surgiu em 1997, durante um congresso de Tóquio, no qual reuniram-se diversos grupos de diferentes nações. Mas o que significa ser uma pessoa gentil? Que atitudes traduzem, na prática cotidiana, esse termo? Frente ao exercício da gentileza, como anda a sociedade nos dias atuais?
O teólogo Leonardo Boff, autor do livro “Saber cuidar - Ética do humano, compaixão pela terra”, afirma que o espírito de gentileza nunca ganhou centralidade, por isso somos tão vazios e violentos e que hoje ele é urgente.Batista diz que gentileza deve ser ato contínuo e de amor (Foto: João Batista/Dicom)O servidor técnico-administativo da UFT, Saulo Batista de Freitas, entende que a gentileza deve ser um ato contínuo e, antes de tudo, um ato de amor. Segundo Freitas, “não temos como ser gentis sem amar, ou apenas por mero cumprimento de dever. Isto exige enxergar no outro um irmão, sem esperar nada em troca”, afirma.
A visão de um filósofo
Já para o professor do curso de Filosofia/UFT, Paulo Soares, a palavra gentileza pode ter sua origem etimológica. Porém, o seu sentido para a existência humana apresenta a exata ideia do que seja quando inserida nas relações sociais como “herança” da cultura ocidental. E que entre os gregos helênicos se fala num ethos para definir o homem dotado de boa educação; e o gentleman define o homem inglês virtuoso e dotado de bons modos e fino trato na convivência.
Soares afirma que “de forma geral, define-se a gentileza pelo cuidado consigo e com os outros, como um traço inerente de autoconsciência em relação à cultura. Por exemplo, não é possível a gentileza gerar gentileza se a cultura não estimula um processo de autoconsciência humanista, se a vida é rasgada pela violência cotidiana que afeta a todos, todo momento.”
Soares destaca necessidade de dignidade, saúde, segurança e educação (Foto Paulo Aires/Dicom)O professor Paulo Soares também defende que as pessoas precisam de dignidade para viver bem, precisam de educação, saúde e segurança. Precisam ter satisfeitas as suas necessidades básicas; e cita que quando a personagem Brás Cubas, de Machado de Assis, diz “não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”. E acrescenta: “certamente Machado de Assis se referiu à nossa brasileiríssima cultura, que desde o fim da escravidão, não criou as condições para cultuar a gentileza”, conclui.
Gentileza como irradiação do cuidado e da ternura essencial
Ser gentil no trânsito, respeitar as regras do convívio coletivo, a prática da tolerância, cumprimentar as pessoas, usar os termos inerentes à gratidão, exercer o cuidado consigo, com o outro e com o meio ambiente, podem ser alguns dos gestos que compõem o ofício da gentileza. Retomando as considerações de Leonardo Boff sobre o assunto, o teólogo acredita que “a gentileza funda um princípio civilizatório, princípio descurado pela modernidade e hoje de extrema importância se quisermos humanizar as relações demasiadamente funcionais e marcadas pela violência. A Gentileza como irradiação do cuidado e da ternura essencial.”
A constatação da psicóloga, servidora da UFT, Hareli Fernanda, é que “a gentileza seja um tipo de amor, um amor ágape, fraterno, ligado também ao altruísmo, baseado na concepção do dever com o outro, disposição para se dedicar ao próximo, é um amor que não tem cobrança em termos de reciprocidade.”
Hareli Fernanda diz que gentileza é um amor que não cobra reciprocidade (Foto - Arquivo Pessoal)Hareli propõe que a gentileza está relacionada à interação da cultura e depende dos valores e das crenças do indivíduo e de um determinado grupo, e enfatiza: “Acho que atualmente a gente vive uma crise das relações humanas. Muitos autores que falam da contemporaneidade abordam o aumento do individualismo; os indivíduos estão cada vez mais sós, e procurando cada vez mais estarem sós; aumento da questão do narcisismo, do consumismo, por isso, talvez, tenha mais pessoas querendo sensibilizar outras da importância da gentileza”.
A psicóloga ainda ressalta que a crise nas relações humanas é uma questão que tem se mostrado cada vez mais forte e que se trata de um dos desafios de dias atuais.
Para o ambiente profissional, vale assinalar que assume importância ímpar a vivência da gentileza nas relações interpessoais, entre colegas de trabalho e público externo.
Os gestos de gentileza acabam não apenas favorecendo o ambiente, mas também surtindo efeito prático pois uma demanda resolvida de forma eficiente e harmoniosa evita desgastes para a imagem pessoal e institucional e provoca satisfação mútua.
E, como pregava José Datrino: "Gentileza gera gentileza". Refletir sobre esta máxima é querer e desejar com palavras e gestos um mundo melhor, mais humano, justo, fraterno e solidário.
Redes Sociais