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PALMAS

Professora de Administração e psicóloga diz que neoescravidão também ocorre no meio urbano

Por Paulo Aires e Samuel Lima | Publicado: Quarta, 12 de Abril de 2017, 18h10 | Última atualização em Quinta, 13 de Abril de 2017, 23h26

Durante a III Jornada de Administração e Negócios, que ocorreu durante esta semana no Câmpus de Palmas, um dos temas abordados em mesa-redonda nesta quinta-feira (13) foi a do "Trabalho Escravo Contemporâneo: o que o administrador tem a ver com isso?". A coordenadora da mesa, professora Liliam Deisy Ghizoni, falou com exclusividade ao Portal da UFT sobre a temática abordada. Liliam é mestre em Educação e doutora em Psicologia; na UFT é docente de Psicologia no Curso de Administração e integra o colegiado do Mestrado em Comunicação e Sociedade.

 

ENTREVISTA

 

Por que a inserção do tema "Escravidão contemporânea" no curso de Administração?

É um tema super novo no âmbito da administração; e velho e bem debatido no campo do Direito, por conta dos direitos humanos dos trabalhadores. É também muito trabalhado em relação aos trabalhadores rurais em condição análoga à escravidão. O Tocantins, no cenário nacional, é o quarto estado em maior número de trabalhadores resgatados do trabalho escravo.

No curso de Administração é muito importante que esse assunto seja discutido, esse tipo de trabalho que é naturalizado de tal modo que para ocupar aquela função tem que ser daquele jeito...

E como a Universidade entra nessa discussão?

Na Universidade Federal  do Tocantins (UFT), nós tínhamos aqui a professora Shirley, da área do Direito, que representava a UFT na Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo no Tocantins (Coetrae) -  e também tem a Comissão Nacional que é a Conatrae. Daí a professora Shirley foi embora da UFT e ficou essa vacância. Fui convidada a participar de um seminário sobre a questão do trabalho, representando a UFT. Fiquei super interessada por esta causa e fui convidada a representar a UFT nessa Comissão. Esse tema tem muito a ver com o sofrimento no trabalho que a gente escuta. Então, eu trouxe o tema pra dentro da sala de aula e pra reverberar como pesquisa.

Há pesquisa em curso sobre o tema no Curso de Administração?

Temos uma pesquisa voltada para os trabalhadores rurais, especificamente, que é um público grande no Tocantins, que vive nessa condição análoga à escravidão; inclusive, recentemente, houve a divulgação de uma fazenda, no Tocantins, que mantinha trabalho análogo à escravidão, homens que viviam num curral...

Vamos entrevistar pessoas que trabalham em Call Center, motoristas de Uber e construção civil para sabermos se eles se veem enquanto trabalhadores da neoescravidão. Na maioria dos casos, ninguém se vê na condição de trabalho análoga à escravidão. E há uma naturalização dessa condição. Há um círculo vicioso nas organizações onde a gente quer agir para quebrar essas práticas.

Ouvi o relato sobre um jovem que trabalha em Call Center que se achava o máximo porque era chamado à empresa para resolver problemas nos finais de semanas; sentia-se valorizado por esse trabalho que fazia, sem remuneração.

No Tocantins, a prática do trabalho análogo à escravidão é uma constante?

O maior número de trabalhadores urbanos da neoescravidão é na construção civil. Aqui, em Palmas, por exemplo, foi noticiado esse tipo de trabalho; na reforma de uma loja; trabalhadores que dormiam, comiam e fazem as necessidades dentro de um ônibus. Daí entra nos critérios do que é o trabalho escravo contemporâneo.

A recente greve dos trabalhadores naquele atendimento de Call Center; o que eles estavam reivindicando? Obviamente que todos foram demitidos pela descartabilidade da ocupação. Se o funcionário pega um atestado médico no decorrer da semana, ele tem que trabalhar no final de semana. Isso fere o direito desse trabalhador. Isso passa por cima da Legislação que a gente levou anos para conquistar. A própria Lei da Terceirização, agora amplia as possibilidades de contratação... Você pode ter certeza de que os trabalhadores da construção civil, da limpeza e da vigilância são alvo do trabalho escravo.

O Tocantins está em quarto lugar em número de trabalhadores resgatados, no Brasil.

Como se caracteriza esse tipo de trabalho?

Escravidão (Foto: Pixabay)Quando a gente fala de trabalho escravo, estamos falando de trabalho forçado, jornada exaustiva, de servidão por dívida, de condição degradante de trabalho. Isso é o que está no Código Penal Brasileiro, artigo 149.  Há uma luta por parte dos patrões para que o artigo 149 seja alterado, para que trabalho exaustivo e condição degradante não entrem na condição de trabalho escravo. Esse é o jogo. Daí é que entram a Coetrae e a Conatrae para que o artigo permaneça sem alteração.

Quem são os parceiros nesse debate e ação de combate à prática do trabalho escravo?

Nós temos no Norte do Tocantins, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), com sede em Araguaína. Eles têm um espaço físico justamente para receber esses trabalhadores resgatados. Esse trabalho é em parceria com o Ministério Público Federal, Polícia Rodoviária Federal e Ministério do Trabalho.

É importante também falar que quando um trabalhador rural é resgatado, entra a CPT com esse Centro de Acolhida e, no Tocantins, só há esse Centro. É também um trabalho de todos os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) dos Municípios. São os assistentes sociais e os psicólogos que vão fazer o registro, acolhimento e observar o que vai acontecer com esses trabalhadores.

Como é a estrutura dessa acolhida aos trabalhadores resgatados?

Aqui, a gente entra em outra precarização, que é a condição dos trabalhadores do próprio CRAS; então é uma corrente. O CRAS é uma política pública mas é gerenciado pelos municípios; são os prefeitos que determinam o valor dos salários e as horas que esse equipe vai trabalhar. O que a gente tem visto no grupo dos psicólogos são os salários muito baixos, altamente precarizados. Uma equipe que sofre e que tem que trabalhar com quem está sofrendo.

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