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Especial UFT 20 ANOS

O pioneirismo na implantação de cotas para estudantes indígenas e a diversidade de público na UFT

Por Joice Danielle Nascimento | Revisão: Paulo Aires | Publicado: Sexta, 31 de Março de 2023, 08h00 | Última atualização em Quarta, 05 de Abril de 2023, 17h41

Em 20 anos de história, a UFT foi uma das pioneiras no  processo de democratização do ingresso no ensino superior e continua contribuindo para a realização do sonho de muitos jovens  

Ingressar em uma  universidade federal faz parte dos sonhos de muitos jovens brasileiros. Mas, para que esse sonho se torne uma realidade, uma série de questões precisam ser levadas em consideração. O lugar de onde se vem, a escola onde se estudou, as condições financeiras e físicas podem fazer toda a  diferença na hora de disputar uma vaga em uma instituição federal. E a Universidade Federal do Tocantins  percebeu isso muito cedo. Um ano e quatro meses depois de sua implantação no Estado, mais especificamente em 03 de setembro de 2004, a jovem UFT se torna a primeira federal do país a instituir o sistema de cotas para estudantes indígenas, reservando 5% das vagas de seu vestibular para esse grupo, resolução que entrou em vigor em 2005.

Desde então, essa decisão abriu portas para que mais de 800 estudantes indígenas de todo o país ingressassem na  Universidade. Solange Nascimento, professora da UFT e pesquisadora na área de relações étnico raciais lembra que a instituição das cotas para estudantes indígenas naquele momento foi um construto coletivo, e partiu do entendimento da constituição populacional do Tocantins: "A implementação das cotas para estudantes indígenas na UFT foi resultante de uma mobilização de pesquisadores da temática, lideranças estudantis indígenas e também representações dos povos tradicionais aqui do Tocantins, isso em 2004. Então nós temos aí quase 20 anos da implementação dessa ação afirmativa”. Esse marco, que se mescla com a própria história da Universidade e que abriu espaços para a diversidade,  possibilitou histórias como a da estudante Sueli Waridi Xerente.

Ela tem 28 anos, cursa Serviço Social no Câmpus da UFT em Miracema e ingressou na UFT  pelo vestibular através das cotas para estudantes  indígenas no final de 2022. Para ela, as cotas representam oportunidade de realização de um sonho: “Eu entrei pelas cotas para indígenas! Hoje estou no primeiro período de  Serviço Social, o curso que eu sempre quis fazer e pelas cotas eu tive essa oportunidade”. Sueli, que vive em uma aldeia no município de Tocantínia e se desloca todos os dias para Miracema com a filha de 4 anos para assistir as aulas, também destaca o apoio recebido pelos professores da UFT para continuar em busca da realização de seu sonho: “Na aldeia eu não tenho internet e no momento, a Universidade, os professores estão nos ajudando imprimindo os livros para a gente levar impresso para a aldeia para ler e fazer os trabalhos. E é muito importante essa ajuda dos professores e das professoras. Cada dia mais eu quero que as condições para nós indígenas dessa região melhorem, mas eu estou muito feliz nesse momento por estar estudando ”.

Maloiri Xerente, que assim como Sueli é de Tocantínia e cursa Jornalismo no Câmpus da UFT em Palmas, também está realizando o sonho de concluir o ensino superior na UFT. Ele, que tem 29 anos e está na reta final do seu curso, ressalta o pioneirismo da UFT na  instituição das cotas para indígenas: “O fato da UFT ter sido a primeira Universidade a instituir cotas para indígenas abriu portas que hoje possibilitam os meus estudos. Isso me proporcionou uma grande conquista, que é estar ‘incluído’ na sociedade e poder representar meu povo. As cotas me ajudaram muito a estar na Universidade, pois minha luta é diária. Saio todos os dias de manhã de Tocantínia para estar na aula”. Maloiri também frisa o suporte recebido da UFT para concluir a graduação: “A Universidade me custeia com isenção no restaurante universitário, auxilia estudantes com auxílio estudantil e também tem uma sala voltada para indígenas e quilombolas chamada GTIQ, que acolhe aos acadêmicos indígenas e quilombolas recém chegados”.    

Em 2013, nove anos depois da aprovação das cotas para indígenas, a UFT dá mais um passo importante para a democratização das formas de ingresso em seus cursos de graduação. Em consonância com a  Lei 12.711 aprovada pelo Congresso, conhecida como Lei de Cotas, a UFT aprova a implantação de cotas para estudantes quilombolas  em todos os seus cursos de graduação, tornando-se uma das poucas universidades a aderir a reserva de vagas específicas para esse grupo. A decisão aprovada em reunião do Conselho Universitário (Consuni), em 19 de novembro de 2013, partiu do entendimento da necessidade de ampliar o acesso de estudantes quilombolas à Universidade, tendo em vista o público das comunidades das quilombolas do Estado. Vale lembrar que, não há no Brasil uma legislação que obrigue a reserva de vagas para quilombolas e que, de todas as universidades públicas do país, apenas 20% oferecem cotas específicas para esses estudantes. 

Este compromisso da UFT em atuar, desde de sua implantação, para  democratizar o acesso ao ensino superior, para além de ampliar a presença de grupo minoritários e sub-representados em seus cursos e garantir a possibilidade de mobilidade social no ambiente em que está inserida, também abriu portas para a realização de sonhos. Sonhos como o da jovem Kaylane Rodrigues Amâncio, de 20 anos, que cursa Agronomia no Câmpus da UFT em Gurupi. Ela  é da comunidade quilombola de Chapada da Natividade e ingressou na UFT em 2020, através das cotas para estudantes quilombolas. “ Sou de família humilde e por ampla concorrência eu não tinha muita possibilidade de passar na faculdade porque minhas notas eram baixas e o curso é muito concorrido. Então,  foram pelas cotas para quilombolas que eu consegui passar e me deu a possibilidade de estar onde eu estou hoje. Quando eu passei não acreditei, por que eu, que tinha vindo do interior, de cidade pequena  e, além disso, quilombola! Gente sério mesmo,  isso nos ajuda bastante”.

Kaylane ressalta ainda que estar na Universidade é muito representativo para sua comunidade e que isso desperta em outros jovens quilombolas o desejo de ingressar no ensino superior: “É de extrema importância termos um meio para entrar na faculdade, diante de todas as formas que temos para ingressar. Eu como quilombola, sinto orgulho de dizer que sou, agradeço muito por essa cota. Nós como quilombolas devemos valorizar e fazer muito o aproveitamento desse meio que temos hoje em dia, e a cota nos faz ter um incentivo muito grande, porque nós que sabemos de onde viemos e as dificuldades que temos, conhecemos a verdadeira importância do nosso quilombo. Quando um jovem que é quilombola tem a oportunidade de entrar na faculdade, muitos outros se orgulham e passam a ter o interesse de entrar também”.  

Essa visão também é compartilhada pela estudante Flávia Rodrigues de Sousa, que também é quilombola e cursa Agronomia no Câmpus da UFT em Gurupi. Para Flávia, as cotas para estudantes  quilombolas representaram a oportunidade de conquistar sua vaga na federal, pois essa ação afirmativa leva em consideração as vivências particulares de um estudante de comunidades tradicionais: “As cotas são importantes porque nem todo mundo possui oportunidades para ter uma boa base de estudo que atenda aos resultados exigidos pelos vestibulares. Eu, por exemplo, tive dificuldade na questão de aprendizado pois fiz o ensino fundamental 2 em rede conveniada e meus pais não tinham condições de pagar um cursinho de preparação para vestibular. Então as cotas foram úteis para mim nesse sentido. As pessoas possuem vidas diferentes, nem todos tem um ensino de qualidade  e nem condições para pagar cursinhos”.

Para além do pioneirismo da na implantação de ações afirmativas próprias, que colocou a Universidade mais próxima da população e da realidade tocantinense, a UFT ao longo de sua história também atua para fortalecer a política de cotas estabelecida no âmbito nacional, através do apoio aos estudantes. É o que destaca Matheus Araújo Amorim, de 26 anos, estudante do curso de Jornalismo do Câmpus da UFT em Palmas. Ele tem paralisia cerebral e ingressou na UFT pelas cotas para estudantes PcDs: “Apesar de estudar um período curto na escola privada, eu sempre estudei em escola pública, ensino fundamental e médio. Então para mim, se não fossem as cotas eu acho que eu não entraria na universidade pública, teria dificuldades”.

 Matheus também ressalta que o apoio recebido pelos profissionais da UFT no decorrer do curso tem sido fundamental para não desistir e realizar seu sonho de se formar jornalista: “ Chegar na UFT foi um mundo novo. E para mim a UFT é muito especial porque tem o setor de acessibilidade e eles me ajudam demais, os professores, os funcionários.  Eu tenho auxílio pedagógico e esse é um dos auxílios que me ajuda a não desistir de seguir na Universidade. No período da pandemia, por exemplo, eu pensei em desistir devido ao processo de adaptação ao online, mas por causa do apoio da UFT, foi muito importante para eu seguir e conseguir realizar meu sonho de me formar e ser um jornalista”.  

O Jornalismo também é o elo que liga a UFT a história da estudante Wanda Citó, que encontrou na Universidade uma nova perspectiva. Ela, que é travesti, e ingressou na UFT pelo sistema de cotas, reafirma a importância dessa política para a garantia da diversidade na universidade. " Sem dúvidas as cotas são imprescindíveis, principalmente quando a gente reconhece o passado do nosso país, que foi violento e cruel com a população negra e originária e que isso gerou sequelas sintomáticas até na atualidade. Então, elas são também esse reconhecimento que isso aconteceu e que a gente precisa sim investir em políticas de inclusão e cobrar para que haja essa mínima reparação, principalmente quando falamos de universidade pública, porque se não tem essa diversidade na universidade pública, onde vai ter?!". Wanda, que acredita na educação como elemento capaz de transformar a sociedade também destaca que a discussão sobre as cotas precisa continuar avançando para que a universidade se torne um ambiente cada vez mais diverso: "É muito importante que a discussão continue evoluindo para que a gente possa pensar cotas para outros grupos que sofrem violência e exclusão. A gente poderia pensar vagas para pessoas trans também, considerando que apenas 3% dessa população consegue chegar na universidade, o que é um número muito ínfimo.  A gente tem que considerar também que esse grupo tem um alto nível de evasão escolar, mas tem baixos níveis de contratação e capacitação. Então é necessário que tenha políticas de inclusão e principalmente de incentivo, para que essas pessoas acessem a universidade e possam pensar em mudar suas perspectivas".

Olavo Santos,  de 21 anos que cursa Pedagogia do Câmpus da UFT em Arraias, também é um dos estudantes que encontrou na UFT a possibilidade de ampliar seus horizontes. Ele, que é de São Valério, cidade do interior do Tocantins, entrou na Universidade pelo sistema de cotas, ação afirmativa que ele defende de forma enfática: “As cotas para mim são políticas muito importantes para que pessoas como eu que vêm do interior e que têm poucas perspectivas de futuro para além de suas cidades, como por exemplo ter acesso a um ensino superior de qualidade numa Universidade como a federal do Tocantins, possam ter acesso a isso, a ter a possibilidade de sonhar para além dessas cidades.  As cotas entram nesse processo de promover o equilíbrio entre essas entradas na universidade e dá essa possibilidade  de ser diversa, porque a gente sabe que o acesso à educação foi negado à população negra por quase 400 anos. Então é uma forma de reparação histórica”. 

Para Olavo, o apoio da  UFT também é fundamental para que ele e outros estudantes cotistas consigam se manter no ambiente universitário até o final do curso: “ Os auxílios me possibilitaram a permanecer em Arraias e eu não me via terminando o curso sem esses auxílios e sem os programas de bolsa  que a Universidade tem também. A UFT tem os seus impasses mas tem políticas que nos ajudam bastante”. Mas Olavo pontua também que a Universidade precisa rever alguns pontos para se tornar mais acessível aos grupos minoritários: “A gente tem que ver as flores, mas também precisa ver aquilo que está matando essas flores. A UFT é ótima, possibilita a oportunidade da entrada, mas ainda peca na permanência".

A observação feita por Olavo também é compartilhada pela professora Solange Nascimento. Ela aponta os desafios que a Universidade precisa enfrentar nos próximos anos: “O fato de nós temos cotas de ingresso não garante efetivamente que esses alunos tenham uma política de permanência efetiva na Universidade. Nós temos ainda um grande desafio que é o racismo estrutural e o racismo institucional dentro da Universidade e além disso nós temos alunos de diferentes culturas, povos indígenas, povos tradicionais, mas nós ainda temos um currículo eurocêntrico, então nós ainda temos que construir dentro da Universidade uma práxis que garanta um conhecimento diversos”. 

 

            




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