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Do bicho-de-pé ao DNA: a vida de uma mulher na ciência

Por Texto e fotos por: Daniel dos Santos | Revisão: Paulo Aires | Publicado: Domingo, 11 de Fevereiro de 2024, 09h03 | Última atualização em Quarta, 14 de Fevereiro de 2024, 18h13

Neste domingo de carnaval, 11 de fevereiro, enquanto muitos descansam e outros se divertem, é comemorado o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. Segundos dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), 33,3% é a porcentagem média global de pesquisadoras.

Em comparação a isso, a UFT se destaca por apresentar paridade de gênero. Para esta matéria foram levantados dados junto às Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação (Propesq) e Pró-Reitoria de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas (Progedep). De acordo com a Propesq, há 74 mulheres - e 69 homens - no ciclo 2023/2024 como orientadoras de iniciação científica na graduação. E de acordo com dados de 2020, o total de docentes tanto na graduação quanto na pós-graduação também não difere tanto disso. São 526 mulheres e 563 homens.

Este especial inaugura a nova série do portal da UFT com perfis biográficos e ensaios fotográficos de personagens dos cinco câmpus da nossa Universidade. A periodicidade desta série será mensal. A partir de agora, você está convidado a conhecer detalhes da trajetória de uma mulher na ciência.

Gessi - pronuncia-se “gê-cí” - é a nossa personagem desta matéria especial.

Nascida na zona rural de Natividade (TO) pelas mãos de uma parteira há 64 anos, a pesquisadora Gessi Carvalho de Araújo Santos tem quase 40 anos da carreira dedicada à pesquisa nas áreas de fisiologia humana e saúde pública. Ela faz parte do colegiado de Medicina e da Pós-Graduação em Ciências da Saúde, no Câmpus de Palmas da UFT. Sua atuação contribuiu para a formação tanto de profissionais que atuam nas áreas de clínicas, como também no próprio ensino em saúde.

“Esse povo que cuida, como é que chama?”

O interesse pela enfermagem se deu aos 10 anos de idade quando estudava em um colégio mantido por freiras em Porto Nacional. “Havia um hospital em que as irmãs prestavam assistência aos pacientes. Eu ainda não entendia sobre profissão. Então eu perguntei: ‘esse povo que cuida, como é que chama?’. A partir daí eu pesquisei sobre a história da enfermagem, descobri a Ana Néri e já sabia que eu queria ser enfermeira”. Ana Néri foi pioneira da enfermagem no Brasil, no século XIX, e se destacou pelo trabalho voluntário para cuidar dos feridos durante a Guerra do Paraguai (1864-1870).

Gessi foi terminar o Ensino Médio em São Paulo, cidade na qual morou por 24 anos e onde pôde iniciar sua trajetória na Enfermagem. Primeiramente como técnica, depois com a graduação.

Ao trabalhar no Hospital Universitário, Gessi pediu aos médicos os livros de fisiologia e patologia. “Eles disseram que enfermeiro não precisava disso. Mas eu disse: ‘não, mas eu quero saber!’. Então eles disseram que o trabalho de enfermagem só ia até ali e eu deveria ir para a pesquisa”.

No trabalho em hospitais foram as perguntas que moveram a vida de Gessi para a ciência. “Queria entender: por que aqueles pacientes tinham diagnósticos diferentes? Por que algumas patologias evoluíam de forma distinta? Por que alguns tinham tratamento e outros não? Eram perguntas para entender como o organismo humano se comporta saudável e adoecido. Assim eu fui parar na área da fisiologia”.

De volta para casa

A partir dos anos 2000, Gessi retornou ao Tocantins já com doutorado e participou da criação de diversos cursos na área da saúde no Tocantins, assim como o mestrado na área. Em seu estado de origem já pesquisou as principais doenças tropicais, as quais conhece muito bem.

São pesquisas como essas que contribuem para o poder público ter melhores condições de combater as causas dos problemas. “O legado que eu gostaria de deixar é laboratórios montados com estrutura similar aos que se encontram nos grandes centros e dar continuidade a pesquisas frequentes como as relacionadas à dengue, chikungunya, zika e hanseníase”.

Nos últimos anos, Gessi também trabalhou com pesquisas sobre a mortalidade por Covid. Quando questionada sobre as pesquisas que ainda podem ser feitas, não faltam ideias e nem vontade para trabalhar com isso. “Se eu viver 100 anos, enquanto meu cérebro estiver bom e puder contribuir para a pesquisa, vou continuar contribuindo”.

Ela acrescenta que muitos indicadores regionais de saúde podem melhorar com mais pesquisa. “Aqui no Tocantins, a gente ainda precisa testar plantas. O povo do Jalapão toma chá disso, chá daquilo. A Dona Romana e o pessoal de Natividade usam vários chás para cuidar de crianças porque antigamente não chegava médico lá. Precisamos analisar isso, fazer ensaios clínicos, testar efeitos colaterais, descobrir dosagens. Isso a gente só consegue fazer através da pesquisa”.

Gessi avalia que a pesquisa em saúde no Brasil evoluiu muito ao longo desses anos sua carreira profissional. “Nos artigos, o Brasil é melhor representado do que na assistência que ele oferece na área da saúde. A ciência é democrática. Uma vez publicado o artigo, aquele conhecimento serve para o mundo inteiro. Tem como você reaplicar e chegar nos mesmos resultados”.

Ser mulher negra na ciência

É verdade que a ciência se faz com estrutura física, equipamentos e reagentes. Elementos que dependem de investimentos financeiros. Mas a ciência também se faz por pessoas. E além das dificuldades de investimento, existem dificuldades quanto às oportunidades na ciência que são desiguais a depender de gênero e raça. Gessi é uma mulher negra. “Para mim, o gênero veio antes da cor. Não na graduação, porque a enfermagem é uma profissão muito ocupada por mulheres. Enquanto na pós-graduação ninguém falava que não podia ter filhos, mas os professores perguntavam às alunas mulheres se elas queriam ter filhos. É uma forma de calcular o tempo em que não poderiam contar com uma aluna”.

Já quanto a sua cor, Gessi relembra alguns episódios. “Na minha turma de pós-graduação eu era a única pessoa negra. No meu processo seletivo para professora da UFT eu fui a única pessoa negra também. Para mudar isso, eu acredito que para as pessoas que têm mais dificuldades é que deveriam oferecer oportunidades mais vezes”.

Reconhecimento

As jovens pesquisadoras Aurimar Gonçalves Sousa e Jaciane Araújo Cavalcante foram orientandas da professora Gessi, no Mestrado em Ciências da Saúde, e suas palavras contribuem para que cada um possa fazer uma leitura sobre as qualidades dela neste aspecto.

“A professora Gessi é uma mulher extraordinária. Sua inteligência brilhante e seu comprometimento com a educação dos seus educandos a destacam como uma líder excepcional. Como uma verdadeira cientista, ela traz uma abordagem cautelosa e exigente para o ensino, sempre buscando a excelência em cada aspecto de sua prática pedagógica. O que realmente a define é sua empatia pelas pessoas. Ela compreende as necessidades individuais e se esforça para criar um ambiente de aprendizado inclusivo e acolhedor. Sua paixão pelo que faz transparece em sua dedicação incansável e cultivando o amor pela ciência. Ela acredita que a educação é a chave para o progresso individual e coletivo, e que as oportunidades e o conhecimento têm o poder transformador de moldar vidas”.
Aurimar Gonçalves Sousa - Mestre em Ciências da Saúde

“Conheci a professora Gessi em 2008, quando ingressei em um projeto de iniciação científica no qual ela era coordenadora. Naquela época fiquei encantada com sua inteligência e clareza em apresentar os conteúdos. Senti ali uma inspiração para atuar na pesquisa e fiquei como sua aluna do Pibic por dois anos. Depois disso ela se tornou minha orientadora de vida. Sempre que tinha alguma dúvida acadêmica consultava ela. Em 2016, ingressei no mestrado com a professora enquanto orientadora e tive seu apoio tanto durante a construção do projeto quanto na reta final em que eu estava gestante e ela compreendeu totalmente esta condição, demonstrando empatia, algo primordial, e que falta em muitos momentos no âmbito da pesquisa. Hoje, 15 anos depois do nosso primeiro trabalho juntas, estou no terceiro ano do doutorado em Enfermagem e certamente não o teria ingressado sem a inspiração que tive dessa mulher incrível”.
Jaciane Araújo Cavalcante - Mestre em Ciências da Saúde

Relevância

A pesquisadora continua desenvolvendo suas pesquisas sobre assuntos de pertinência regional e também mundial. Abaixo estão disponíveis algumas de suas pesquisas mais recentes sobre o novo coronavírus, o fungo Candida viswanathii e o vírus da dengue. Todas foram publicadas em revistas científicas internacionais.

2020
Diagnosing the novel SARS-CoV-2 by quantitative RT-PCR: variations and opportunities
Revista: Journal of Molecular Medicine
Fator de Impacto 4.7

2023
Selection and validation of reference genes for RT-qPCR gene expression studies in Candida viswanathii cultivated under different grown conditions
Revista: Journal of Microbiological Methods
Fator de Impacto 2.2

2023
Dengue virus RNA quantification through PCR: what is the best cost-effective approach?
Revista: Genetics and Molecular Research
Fator de Impacto 0.4

*Agradecimentos às pesquisadoras Aurimar Gonçalves Sousa, Jaciane Araújo Cavalcante, Kellen Kauanne Pimenta de Oliveira e Patrícia Ferreira Nomellini por participarem gentilmente do ensaio fotográfico para este especial.

** Caso tenha sugestões de personagens do seu câmpus que poderiam ganhar um perfil em nosso portal, entre em contato pelo email Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. com o assunto "Perfis UFT". Vale para professores, técnicos, terceirizados e estudantes.

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